01 agosto 2010

Nunca conte com a improvável percepção de terceiros

Por Eberth Vêncio

O amor entre os gêneros nada mais representa senão um pretexto para a cópula, a fusão dos gametas, a perpetuação da espécie. “Crescei e multiplicai-vos”. Foi o próprio criador quem deu a senha. Por que duvidar dele?!

Talvez seja por isto que, após a consumação do coito, o amor perca espaço (transitório ou permanente) para o desprezo, a mágoa, a violência e outros sentimentos jamais imaginados, inconcebíveis aos casais de namorados recentemente enlaçados.
“Felizes para sempre” parece muito tempo. “Por toda a minha vida”, nem se diga. “Que seja infinito enquanto dure” soa bem mais realista. Viva o poetinha Vinícius! Para sempre seja louvado!
Conheço uma professora universitária que, deliberadamente, durante grande parte da vida, abdicou aos romances. Residiu durante sete anos na Europa. Fez Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado, enfim, uma vida dedicada a uma bem sucedida carreira como docente. Solteira, solitária, imatura como uma adolescente salpicada de espinhas, adentrada na quarta década de vida, foi assim que a matrona me descreveu um reencontro com um ex-provável-amor-da-vida-dela. O relato deu-se sob lágrimas, soluços e, claro, muita tequila.

— Se as coisas melhorarem vão dizer que Deus anda puxando o meu saco.


Ela riu muito da tirada do sujeito que há tempos não via. Observava o interlocutor, admirada, apalermada como sói ocorre aos amantes. Todos aqueles anos não azedaram o seu humor, que continuava aguçado, contagiante. Ficou pensando como parecia fácil ser feliz. Não era assim com ela. Carisma não é pra todo mundo. Que o diga Dona Dilma, a criatura candidata.

— Se melhorar, açucara.

E riram, novamente. Ela, de forma convulsiva, por muito pouco deixava escapar um fio de saliva pelo canto da boca fatigada de tanto rir. Levou a mão sobre os lábios, cercando a baba que se insinuava pela rima. Balançou a cabeça. Deu meia volta. Afastou-se rapidamente. Tapou os ouvidos com as mãos espalmadas, suplicando uma pausa.
Mudando de assunto, o homem contou, mesmo sorrindo, como tinha sido mal sucedido nos dois casamentos.

— Minhas ex-mulheres me quebraram.

Comentou, sendo hilário outra vez. Enquanto descrevia como vivera os últimos quinze anos, a moça teve aquela mesma sensação do passado. Ainda gostava dele? Seus olhos começaram a luzir com a mesma sutileza da época de faculdade.

— Eu devia ter aceitado a sua proposta.

Ela comentou, com a voz embotada. Subitamente, tudo pareceu perder a graça. Exceto, ele.

— Ah, sim. Aquela estória de fazermos o Mestrado juntos?

Mesmo querendo dizer não, ela balançou a cabeça, afirmativamente. Na verdade, nem se lembrava que algum dia desejou fazer Mestrado com ele. Media demais as coisas. Sempre fora assim. Calculista. Vivia deixando escapar possibilidades pelos vãos dos dedos.

Devia sim ter se casado com ele. Ou morado junto. Era ao que ela se referia naquele momento. Pensava, mas não dizia. E nem ia dizer. E nem vai dizer coisa alguma. Ela conta sempre com a improvável percepção de terceiros. Vai continuar estudando, trabalhando, sendo uma profissional dedicada e uma mulher que não sabe amar.
Depois disto, vomitou e foi pra casa dormir.

Cuidar de amor exige mestria. Ou não.......

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