Dando uma lida no Suplemeto Equlíbrio da Folha de São Paulo, o texo da Rosely Sayão me chamou a atenção. Li, achei interessante, e vou postá-lo aqui. Estou mais para o peregrino...
O turista e o peregrino
[...] Hoje, mal um filho nasce e os pais já se preocupam com o fim de sua jornada.
O mundo em que vivemos afeta profundamente a maneira de ser e de viver de cada um de nós e nem sempre nos damos conta disso. As decisões que tomamos diariamente, as escolhas que fazemos, as interpretações que damos aos acontecimentos são influenciadas pelo contexto social e cultural.
Isso quer dizer que os estilos de vida que adotamos também estão marcados pela maneira como o mundo se constitui.
As metáforas ajudam a compreender melhor as transformações que ocorreram e que estão em curso no nosso modo de viver. Zygmunt Bauman, pensador contemporâneo, construiu uma que ajuda a dar sentido e a interpretar a diferença entre o modo de estar no mundo décadas atrás e agora.
Para isso, ele contrapõe as imagens do peregrino e do turista.
O peregrino, figura característica de um mundo em extinção, é quem escolhe viajar em busca de algo para melhorar ou dar sentido à sua vida. Em sua árdua e longa jornada, que não tem prazo para terminar, ele não tem pressa e seu trajeto importa mais do que sua chegada, que ele não sabe quando nem onde ocorrerá.
Já o turista -figura marcante dos tempos atuais- viaja por diversão e com data marcada para voltar, escolhe seu destino por curiosidade ou influência do mercado de consumo do lazer e seu trajeto é apenas o modo de chegar a seu destino.
Qualquer contratempo nos planos do turista é vivido de forma dramática. Vou usar essa metáfora para compreender um pouco as mudanças dos papéis de mãe e de pai na atualidade.
Hoje, mal um filho nasce e os pais já se preocupam com o fim de sua jornada, que equivale a entregar o filho ao mundo para que ele viva por conta própria e com autonomia. Desse modo, pais de crianças muito pequenas procuram escolas que as preparem para o vestibular e o Enem, enchem seus filhos de atividades que os ajudem a enfrentar o futuro mercado de trabalho, programam com antecedência e em pormenores sua vida para realizar tudo o que planejaram para o filho.
Pais de crianças que resistem -por seu modo de ser- a tais planos frustram-se, sentem-se fracassados, usam de muitos artifícios para tentar resgatar o caminho originalmente traçado ou desistem precocemente de sua viagem. Preparar o filho para o futuro tornou-se, por força das pressões externas, missão mais importante do que conhecer e ouvir o filho, estar com ele, construir um vínculo afetivo. Essa imagem é muito parecida com a do turista, não?
Há pais que não pensam no fim de sua jornada a não ser quando constatam que ela terminou. Sabem que seu trajeto será longo e árduo, não têm pressa, encaram as vicissitudes como parte da caminhada, ligam-se mais ao filho que têm do que àquele que ele será. Esse modo de se relacionar com a paternidade tem mais relação com a imagem do peregrino, portanto.
É possível escolher ser mais peregrino na vida com os filhos do que turista, mesmo com as influências que sofremos. Para isso, entretanto, é preciso refletir e resistir a muitas pressões do mundo em que vivemos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
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